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Gastão Elias não evita que Copil reponha a igualdade

 

Gastão Elias não evitou que Copil repusesse a igualdade (1-1), no confronto de Portugal com a Roménia, em Cluj-Napoca, do Grupo I Mundial.

Depois de João Sousa ter vencido o primeiro encontro em singulares, Gastão Elias consentiu a vitória a Marius Copil, por 6-4 e 6-3, no segundo embate individual.

No primeiro set, no jogo de serviço de romeno, Elias esteve a um ponto de igualar 5-5.

A eliminatória, que decide o apuramento para o qualifying do Grupo Mundial, em 2022, prossegue no domingo, iniciando-se o programa do segundo dia com o encontro em pares.

 

 

 

De um móvel consumido pelo tempo, que eu preservo sem entender porquê, tirei um livro no meio de outros, no convívio com o pó. Desconheço por que escolhi este, com o desenho belo e turvo, em tons de preto e cinzento, em desordem coerente. Li morte nele e decerto esse trecho do título justificou o meu gesto.

Lido com morte desde que me conheço. O meu tio, que cuidou de mim desde que entrei no mundo, ocupou muito tempo do seu existir com corpos empedernidos em que se extinguiu tudo, ficou somente o cheiro de morte distinto, o frio instituído e o tom lívido de todos os defuntos. Uns com rosto de susto, como se tivessem sido extorquidos do viver de um modo impetuoso e cruel; outros sem expressões, como soubessem do fim iminente e recebessem-no sem interjeições.

 Ele disse-me que morrer é de todos e que nem devemos temer, pois, independentemente do que fizemos, ninguém foge – todos temos o mesmo fim. E o que é diferente é por onde seguimos: uns, míseros e sem sorte, têm um percurso cheio de escolhos, seguindo por trilhos de riscos intermitentes e confusos; outros, felizes e venturosos, vivem num círculo completo de projeto perfeito. Em comum, irrompemos no mundo do mesmo modo, sem que se pergunte se queremos vir, e só é diferente como escolhemos viver.

Instruído pelo seu ofício, o meu tio, um homem triste e hermético, expôs-me os mistérios do viver e do morrer em serões sem limite de tempo, com os nossos corpos num torpor evidente nos primeiros feixes de muitos sóis. Ele com os seus quês e eu com os meus porquês de pequeno e inocente. De modo que este discorrer dele se tornou irresistível, sempre com episódios bíblicos que cismou em introduzir, de molde que eu pudesse crescer com preceitos, sem desvios.

– É no Céu que vivem todos os que morrem? – instiguei-o sempre do mesmo jeito.

Ele sempre ignorou esse meu modo repetitivo e cedeu, sem rejeições, em todos os ensejos, pois percebeu cedo o deleite em mim promovido pelos seus discursos prolixos sobre o percurso de todos os seres no mundo.

Sem um descrédito que fosse, filiei-me nos convencimentos prodigiosos dele, como o dos mortos terem outro percurso depois do último suspiro. Que o viver neles prossegue. E eu, com muito pouco mundo, entendi que, por existir um outro destino, é porque se vestem os mortos, pois concluí ser pouco evidente surgirem nus num outro ciclo. Hoje, sei que todos se expõem do mesmo modo nesse destino inverosímil, sem isenções, direitos e privilégios. É indiferente ter sido pobre ou rico neste mundo.

De início, o convívio com os mortos, e com esse fedor que me persegue, infundiu-me nojo, porém cresceu em mim o interesse mórbido em perceber os despojos. Lembro, com nitidez, o primeiro corpo inerte em que toquei, induzido pelo desejo de descobrir tudo, comum em todos os pequenos que querem crescer e serem homens muito cedo. O meu tutor deixou-me só com o defunto, preso em pormenores do enterro. No corpo, de porte truculento, impressionou-me enormemente os olhos de louco no rosto rude, fixos em mim como se estivesse vivo. Quis perceber o teso e frio nos restos do homem, fechei os olhos e, com intrepidez, toquei-o no peito. Senti um movimento leve do corpo nos meus dedos e só consegui fugir, num terror indescritível, depois de ouvir um breve som, roufenho e imperceptível, produzido pelo morto.

De espírito solícito, o meu tio minimizou o sucedido, pois sempre fui fértil em episódios fictícios, descritos de um modo excessivo que ele julgou serem fingidos de todo, sem permitir que uns pormenores fossem mesmo genuínos. Pouco tempo volvido, percebi o intento dele em proteger-me e desmentir o que eu sempre tive como evidente no rumor que ressou do corpo sem funções no seu interior.

– O que dizem os meninos é testemunho sincero e indesmentível e que ninguém ouse dizer que é o espírito inventivo! – ouvi-o dizer, num enterro de um menor infeliz, de corpo doente.

O certo é que o momento perturbou muito o meu viver de menino. Ser visto por olhos de morte, sentir o movimento do corpo inerte e viver o tormento dos ressoos de voz ténue pôs os meus sentidos em desordem. Modifiquei-me e tornei-me belicoso. De noite, o sono interrompido pelo mesmo murmúrio impreciso, percutido num número infindo de vezes, o meu rosto repleto de suor e o peito num desgoverno. O delírio de febre, gritos com termos sem nexo e visões indescritíveis, depois o choro convulsivo e descomedido e o corpo com humores, num tirito recorrente. O meu tio procurou quietude em mim com compostos de brometo. Contudo, eu persisti num tumulto, sem que existisse remédio.

Ele inquietou-se comigo e com o incómodo no meu corpo. Seguindo um conselho, permitiu o escrutínio de um médico envelhecido, com lentes de míope sem remédio no rosto rotundo e com um tremor nervoso nos dedos. Senti o cheiro ténue do éter logo que entrei no consultório pequeno, cinzento e obscuro, preenchido por móveis simples de um tempo impreciso e com vidros poeirentos. Defronte de um biombo sebento e decrépito, um projetor zunindo num suplício sem fim. O médico focou o feixe de luz em mim e vi-lhe os olhos pequenos, irrompendo pelo meio dos vidros espessos e unginosos dos óculos.

– Hum! O que te dói, pequeno? – perguntou, entre dentes.

Petrifiquei.

Prescindindo do uso do estetoscópio, ordenou que me erguesse e mediu com os olhos o meu tronco nu. Pediu-me que tossisse, depois que enchesse o peito e sustivesse o oxigénio no tempo que pudesse. Pouco convencido, pediu que repetisse três vezes.  

Quedou-se por segundos, enxugou o suor do rosto num lenço de linho e concluiu:

– O que tens é pouco!

Nem eu, de reduzido entendimento, nem o meu tio soubemos o que quer que fosse do médico de conhecimento e método duvidosos, pelo que o julguei pior do que os seus doentes!

Com os comprimidos que ele prescreveu, o meu modo insone piorou e em mim cresceu fome de lobo. Este insucesso foi um golpe duro no objectivo do meu tio, que recusou desistir e, depois de muitos outros rogos, me pôs defronte de um religioso emérito, num vestíbulo frio de um convento modesto de monges, erigido num século remoto, num monte de teixos sempre em despique com o vento, com troncos repletos de musgos e líquenes.

O idoso, com o tempo impresso no rosto esguio, depositou em mim os olhos com presbitismo, num escrutínio profundo. Com o meu corpo trémulo, senti-lhe o sopro fétido. Perscrutou-me em silêncio, soergueu-se e, firme no seu deduzir, disse que pior do que possuir dor no corpo é ter dor no espírito.

– É um herege perdido e Deus fugiu dele! – gritou.

Procurou-se outros doutos juízos e houve quem repetisse possuir eu um espírito de outrém, o convencimento do meu tio desde que lhe referi o episódio sinistro e que ele tentou esconder dele próprio e de mim: o sujeito entrou em mim no momento em que lhe toquei, desfez-se do seu corpo e tomou outro de empréstimo. No meu físico, débil e medroso, prosseguiu no outro viver que o meu tio sempre disse ser próprio dos mortos, os corpos depostos no cemitério, os vermes e os químicos corroendo-os, porém os espíritos vivos, inquilinos em outros seres.

Firme no seu projecto de expeli-lo do meu corpo, pequeno e sem poder, o meu tio leu livros sobre esoterismo e consultou entendidos nesse domínio do oculto. Ele obstinou-se e procurou-se o esconjuro sem sucesso. Usei, nos bolsos, objectos que se julgou me protegerem e ingeri soluções de incertos poderes, uns insossos e outros de tons ocres, de um gosto horrível.

Recordo o momento em que o meu tio requisitou os préstimos de um bruxo vesgo e longilíneo, com pele de um negrume distinto, num sítio esconso e exíguo, de difícil ingresso, com o teto de grés e o solo em cimento disforme. Dentro de enormes cilindros de vidro, com soluções de formol, dispostos em móveis primitivos, pequenos reptéis ofídios, roedores, insectos e peixes de espécies surpreendentes. Num outro, junto de copos com líquidos peçonhentos, vi um dedo médio de homem, o que me provocou um estremecimento.

O bruxo de olhos tortos segurou em mim de um modo firme e, diligentemente, iludiu com gritos de exorcismo e o dedo em riste:

– Ordeno-te que te desvies deste corpo e leves o teu fel!

Peguei no copo e engoli, num gole, um líquido viscoso. Retorci-me, o meu rosto reverdeceu e regurgitei. Num frémito, o bruxo vociferou pelo expelir do espírito, sem perceber que é certo como morrer o vómito de quem quer que bebesse os líquidos vermífugos e molestos dele, mesmo sem indícios de possuído por um demónio ou o que quer que fosse.

O certo é que tudo resultou infrutífero, pois, por muito que se fizesse, esse efeito perverso, que muito me fustigou, continuou em mim, como se se robustecesse com os expedientes.

Volvido um inverno vigoroso e longo, o meu ente, cujo empenho no seu propósito julguei ter esmorecido, interrompeu um momento de silêncio e prenunciou expungir o verdugo dentro de mim muito em breve. Usou um tom sonoro, permitindo que ele ouvisse, como sublinhou, e persignou-se, como de costume.

Continuo sem perceber se o meu tio, entendido no domínio do morrer, sentiu perto o fim do seu percurso neste mundo, num despiste violento do veículo fúnebre, que lhe provocou golpes irreversíveis. O certo é que foi premonitório o fim desse hóspede inconveniente em mim, que usou o meu corpo sem pedir, sem ter recebido convite. Recuperei o domínio em mim.

Pouco tempo depois de o meu tio ter seguido o mesmo processo de muitos corpos que ele enterrou, convenci-me de que ele fez um negócio misterioso com o homem, cedendo-lhe o viver dele pelo desistir desse espírito que em mim teimou em persistir, o que eu considerei ter sido um preço excessivo. Lembrei-me que o meu tio me disse sempre que tudo tem um custo no nosso percurso neste mundo, por vezes incompreensível de todo.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

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